- Marta Esteves
Um ano de pandemia ou um ano de atropelo reiterado dos direitos das grávidas
Se em Portugal a violação dos direitos das mulheres na gravidez e, principalmente, no parto era diariamente feita pela calada, há um ano, com a pandemia instalada essa violação passou a ser gritante.
Há um ano, com o estalar da pandemia em Portugal, o escalar da violação dos mais básicos direitos da mulher grávida e parturiente era notório a cada nova orientação da Direção Geral da Saúde. A DGS – na Orientação n.º 018/2020 de 30/03/2020 -, referia, para casos de mães Covid-19 positivas, que, não obstante o risco de contágio se opor aos benefícios da ligação e amamentação precoce, deveriam as instituições de saúde tomar decisões individualizadas. Ora, tal fez com que, na esmagadora maioria (se não totalidade) das unidades hospitalares, fossem adotados protocolos de separação de mãe e bebé no caso de a mãe estar infetada. Até porque, na mesma orientação, a DGS preconizava que o contacto pele a pele era desaconselhado, bem como a ideia de que nos casos de separação de mãe e bebé, sempre com referência às mães Covid-19 positivas, o leite materno deveria ser desperdiçado até a mãe obter dois testes negativos.
A cereja no topo do bolo foi a proibição de acompanhantes das grávidas, quer em consultas de rotina, ecografias e, também, no parto.

Continua tudo igual ao início da pandemia na vigilância da gravidez e nos partos?
Não, melhorias aconteceram. Mas, apesar de a referida orientação ter vindo a sofrer várias alterações, mesmo a redação mais recente da Orientação n.º 018/2020, que se encontra em vigor, não é clara quanto ao direito da grávida ter, pelo menos, um acompanhante durante todo o trabalho de parto, já que deixa ao critério das instituições que as mesmas “devem assegurar as condições para garantir a presença de um acompanhante durante o parto”, terminando com a sugestão da realização do teste por PCR ao acompanhante e, pelo meio, fazendo referência a que “deve ser discutido com a parturiente o período que considera mais relevante para ter a presença do acompanhante”, o que leva a que o acompanhante só esteja presente durante a fase expulsiva do trabalho de parto.
Ora, a atualização desta norma fez com que a esmagadora maioria (se não mesmo, neste caso, a totalidade) das unidades hospitalares exija que o acompanhante, normalmente o pai, apresente um teste negativo, sendo que por vezes o resultado desse teste acaba por não chegar a tempo.
Estas práticas têm vindo a ser tão desaconselhadas e desajustadas que, no final da passada semana, a Assembleia da República recomendou ao Governo que garanta o cumprimento dos direitos da mulher grávida, nomeadamente que seja assegurado “o cumprimento dos direitos da mulher grávida em todas as fases da gravidez, durante as consultas, os exames, o parto e o pós-parto.”
Mas, será que as orientações da DGS se sobrepõe à lei?
Não, não e não. Mas, não obstante o desconhecimento e situação geral de pânico que se vivia no país há um ano, tal não pode servir de justificação para os sucessivos atropelos aos direitos das mulheres na gravidez e no parto ao longo do último ano.
Apesar da situação pandémica que vivemos, nenhuma orientação ou norma da DGS revogou, nem podia revogar, a Lei n.º 110/2019, em suma a lei que veio consagrar e reforçar os direitos da mulher na gravidez e no parto.
Resta-nos esperar que a DGS, através do Governo, adote a recomendação da Assembleia da República. Sendo que, até lá, grávidas apenas se podem informar e escolher o local que melhor entendam como adequado para o parto e que respeita os seus direitos enquanto mulher. Nunca esquecendo que podem e devem as grávidas, ainda mais nestes tempos pandémicos que vivemos, elaborar e fazer-se acompanhar do plano de parto.